quarta-feira, 18 de maio de 2011

LEVANTE UM DOS BRAÇOS QUEM ERROU!


Ainda sobre o livro de Português cujo título é “Por uma vida melhor”, recentemente aprovado pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC e distribuído a meio milhão de alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas, é preciso tecer mais alguns comentários (ver publicação “Por uma vida melhor”, de 15 de maio de 2011, neste blog).

A Academia Brasileira de Letras – ABL, vários políticos (entre os quais o senador Cristóvão Buarque), inúmeros educadores e jornalistas se pronunciaram publicamente, desde a semana passada, condenando o ato do MEC e execrando o livro didático “Por uma vida melhor, em cujos ensinamentos se vê como correta a frase exemplificativa "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado". Outras vozes se elevaram, defendendo a visão da professora Heloísa Ramos, uma das autoras do livro, que prega literalmente o seguinte: “...“não se aprende o português culto decorando regras ou procurando o significado de palavras no dicionário”. “O ensino que a gente (sic) defende e quer da língua é um ensino bastante plural, com diferentes gêneros textuais, com diferentes práticas, diferentes situações de comunicação para que essa desenvoltura linguística aconteça”. Enfim a polêmica foi criada, fornecendo farta munição para programas de rádio e televisão, numa inegável discussão pública a respeito do fato.

O simples teor da diretriz didática da professora Heloísa Ramos já nos incita a observar que o ensino da Língua Portuguesa no Brasil fica indiscutivelmente distorcido do primado básico e inafastável, que é a capacitação do educando em desenvolver linguagem correta, clara, objetiva e estruturada em bases lógicas de concordância dos artigos com os substantivos, dos adjetivos com os substantivos, dos pronomes variáveis com os substantivos, dos numerais variáveis com os substantivos, dos verbos com os seus sujeitos. Fora disso, a linguagem se marginaliza, a lógica se desestrutura, a frase se desconfigura, e a mensagem – objetivo maior da comunicação – dá lugar e visibilidade ao ridículo, ao erro crasso, à penúria sintática, à miséria gramatical e, inevitavelmente, ao preconceito com quem escreve ou fala errado.

Tem-se notado, ao longo das três últimas décadas, que o MEC, alinhado à maneira de pensar de novos e experimentais “educadores”, como é o caso de Heloísa Ramos, vem apresentando teses de renovação do ensino da Língua Portuguesa, mas em sentido contrário ao do rigor da regra gramatical, num indisfarçável afrouxamento da firmeza da correção do erro ortográfico ou sintático. Com um breve esforço de lembrança, é possível argumentar por meio do advento do Construtivismo (surgido nos anos 1970), cujas técnicas, sob o prisma de uma ligeira análise, aceleram a aprendizagem da leitura e da escrita na primeira série do Ensino Fundamental, ou até no chamado “ano zero” (o período anterior à primeira série do EF), obtendo resultados práticos em menor tempo e com maior número de alfabetizandos, mas, em contrapartida, baixando acintosamente a qualidade da leitura e, principalmente, da escrita. Isso, ao longo dos anos, gera um sem número de adultos com graves deficiências no emprego de letras e lendo, em muitos casos, soletradamente. Não tenho experiência como alfabetizador, mas, como professor de Língua Portuguesa para adultos há mais 35 anos, asseguro que ano a ano as dificuldades vêm-se acentuando e atingindo contingente de pessoas cada vez maior, incluindo-se nisso portadores de diploma de Ensino Superior em várias áreas de formação.

Nos últimos anos, porém, a situação chegou ao mais calamitoso dos patamares de aceitação, registrando-se, em especial, a confusão que adultos (médicos, dentistas, psicólogos, advogados, engenheiros, arquitetos e, por que não, professores, entre outros) conseguem estabelecer no emprego de letras (o X pelo CH, O Z pelo S, o S pelo SS, o G pelo J...), e não apenas na ortografia, mas também na concordância, numa demonstração inegável de que as naturais combinações entre sujeito e verbo são esquecidas, contaminadas, talvez, pelo falar dos analfabetos (“se nóis não é atendido, nóis reclama”).

Tudo isso se deve à queda vertiginosa na qualidade do ensino – em especial o das séries iniciais –, cujas raízes remontam à História do Brasil, desde a Colônia até os dias republicanos, traduzindo-se pelo descaso na formação dos professores, na remuneração injusta e insuficiente aos agentes da educação, nas instalações destinadas às escolas públicas (comparemos os prédios das escolas da rede pública aos dos tribunais estaduais, aos dos ministérios públicos estaduais, aos dos fóruns...), enfim a toda sorte de agruras enfrentadas pela educação. Não se necessita, dessa forma, de um livro como o “Por uma vida melhor”, que é mais um instrumento dilapidador do pouco que resta da escolarização, em especial do ensino da Língua Portuguesa.

Ao MEC caberia, em lugar de aprovar e distribuir obra como o livro “Por uma vida melhor”, esforçar-se por melhorar a educação como um todo, levando para a sala de aula atrativos a todos os integrantes: ao professor, remuneração justa e condizente com vida digna e confortável, bem como possibilidade de aperfeiçoamento de sua formação e valorização gradativa da carreira do magistério; ao educando, implantando estratégias de aprendizado com criatividade e qualidade, como, por exemplo, a verdadeira inclusão digital (não apenas oferecendo a possibilidade de o aluno manusear mouse e teclado por algumas horas por ano) e, por fim, transformar a escola na verdadeira e eficaz extensão do lar e no braço do poder público empenhado em verdadeira e legitimamente educar. Assim agindo – e não propiciando às crianças o caminho errado da fala e da escrita –, talvez se estejam construindo caminhos na busca “por uma vida melhor”.

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